quinta-feira, novembro 02, 2006



((((Uma visão sobre a manifestação em frente ao consulado do México [RJ])))

Cerca de 80 pessoas se manifestaram na quarta (1/11), em frente ao Consulado do México, no Rio de Janeiro. Era uma militância heterogênea, unida para solidarizar com a luta da APPO (Assembléia Popular dos Povos de Oaxaca), no México, e contra as violências praticadas pelo Estado mexicano e seus grupos de apoio, que já mataram, feriram e prenderam vários manifestantes. [Aqui uma lista preliminar: http://www.midiaindependente.org/pt/blue/2006/11/364036.shtml].

De protesto pacífico, o ato no Rio tomou contornos tensos quando um policial militar agrediu manifestantes com um cassetete e disparou rajadas de gás de pimenta, de modo irracional, sem que ninguém houvesse provocado. A chegada de mais um efetivo da PM não esmoreceu o ânimo d@s presentes, que permaneceram protestando até conseguir entregar uma carta de repúdio ao governo mexicano.

A convocação do ato foi em caráter de urgência, possível em grande medida pela troca de informações em listas de e-mail e pela home page do Centro de Mídia Independente, que vem constantemente dando informações sobre a cidade de Oaxaca. No dia 27/10 um jornalista-voluntário do Indimedya, Brad Will, fora morto por paramilitares quando filmava detrás de uma barricada. Esse também foi um dos fatores que desencadearam manifestações em vários cantos do planeta e que chegaram também ao Brasil. Todavia, o que move o apoio mútuo global é claramente a causa da APPO e a luta autônoma dos povos oprimidos, pela renúncia do governador Ruiz e contra a investida das forças federais.

@s militantes começaram a chegar perto das 11h. Um carro de som mantinha um microfone aberto para a leitura de manifestos, declarações e testemunhos sobre a situação em Oaxaca. Panelas, apitos e gritos procuravam chamar a atenção do cônsul Juan Andrés Ordoñez Gómez para que ele descesse e viesse receber uma carta d@s manifestantes, além de prestar esclarecimentos sobre os atos arbitrários do governo que representa. Pneus foram queimados, faixas estendidas, pichações realizadas e gritos entoados pela multidão: "Desce,desce, desce..." ou "abajo, abajo, abajo...", pedindo a presença do diplomata.

Alguns/mas transeuntes paravam para prestar apoio, ler o que diziam as faixas e, sobretudo, saber o que era aquilo. Muit@s nada sabiam do que se tratava, pois a mídia corporativa vem ignorando Oaxaca há algum tempo. Quando sai alguma coisa, impera o discurso-padrão: os manifestantes taxados de "radicais" e a ação do governo tida como "dentro da lei", "em consonância com a Carta Magna".

Como resposta aos apelos, o consulado mandou seguranças, que vinham falar com os ativistas, sempre na ânsia de encontrar "um líder". No entanto, tiveram de negociar com vários que os cercaram (pacificamente) para ouvir e também falar. O cônsul não cedeu, pedindo a subida apenas dos "líderes". Os grupos manifestantes puseram a proposta em discussão, numa rápida assembléia que se formou, decidindo por continuar a pressão pacífica para que o cônsul recebesse a carta e conversasse com os presentes.

Nada feito. Escondidos num andar de cortinas fechadas, os representantes do Estado mexicano lançaram mão da mesma ferramenta que seus superiores vêm utilizando em Oaxaca: clamar ao seu direito à violência chamando a polícia. O PM de nome Galvão, que parece ter surgido "do nada", resolveu encarnar esse "direito à violência" sozinho, zunindo seu cassetete e jogando gás de pimenta no rosto d@s ativistas.

##A lei da ação e da reação##

A atitude do policial despertou uma indignação justificável entre @s manifestantes (ação >> reação). A maioria vaiou, xingou e alguns/as partiram para cima do "herói da lei". Outr@s danificaram o portão do consulado. O policial correu para dentro do prédio, ficando literalmente enjaulado, vendo a multidão bater no portão e bombardeá-lo com as únicas armas que tinham: as palavras (ele, ao contrário, portava um fuzil e soltava um rizinho irônico).

Os gritos anteriores,dirigidos ao governo mexicano e a suas forças de repressão, acabaram se ajustando bem a nossa realidade: palavras como "assassinos" e "covardes" caem como luva para os policiais do Brasil (se há exceções, nem arranham "a regra"...). O cordão de solidariedade que liga povos de toda a América em suas lutas sociais, da APPO ao MST, dos piqueteros argentinos
aos indígenas da Bolívia, do EZLN aos sem-teto brasileiros, sofre a mesma agressão que une as elites do continente para a manutenção da lógica neoliberal. Nesse sentido, a repressão da polícia local se ermana com a das tropas federais que agridem Oaxaca. O discurso é o mesmo: "preservação da ordem e da segurança". Palavras vagas que mal escondem o verdadeiro pavor dos tecnocratas da ordem vigente: a consciência autônoma se espraiando pela maioria da população e a exigência por democracia direta ganhando as ruas.

A irracionalidade daquele policial demonstra o quanto a PM carioca (e de todo o país) está preparada para lidar com manifestações pacíficas e legítimas. Da mesma forma, evidencia como a lógica do poder é capilarmente repassada aos seus tentáculos mais cotidianos (micro-poderes...). Seguindo a receita do Estado, a instituição PM e seus sujeitos/agentes criminalizam quaisquer tipos de movimentos sociais e tratam tudo numa linguagem que dominam bem: a repressão. Naquela ensolarada tarde de novembro, as "ameaças à ordem" eram representadas por jovens, estudantes (alguns/as até do ensino fundamental, que se juntaram ao ato), senhor@s e até mesmo transeuntes (entre el@s algumas crianças) que poderiam ter se machucado mais seriamente -- e que, antes, passavam normalmente enquanto a manifestação se desenrolava.

Dos minutos de fúria indignada dos manifestantes até a chegada do reforço de PM's, a situação caiu num impasse e o objetivo do ato não foi alcançado -- fazer com que o cônsul descesse. Já que a "autoridade" consular preferiu chamar a polícia, não havia mais espaço para dialogar. O carro de som foi apreendido por uma suposta "irregularidade na documentação".

Um dos policiais gritava para que as faixas ficassem atrás de seu orgulhoso bibelô: a viatura. Como sempre, estavam à cata dos "líderes" para conversar. Ficavam atônitos quando se deparavam com uma lógica diferente: a das decisões descentralizadas, horizontais e participativas. Diziam: "Como assim?! Tem de ter algum líder!".

O PM Galvão resolveu continuar um pouco mais de seu show particular, agora respaldado pelos colegas de farda. Partiu para cima de um dos manifestantes com uma máscara e ainda atingiu uma manifestante com golpes de cassetete que deixaram marcas em seus braços. Um grupo se juntou rapidamente a seu redor, impedindo-o de continuar a covardia. Outros PM's "mais calmos" contornaram a situação e tudo se estabilizou em seguida.

##Promessas que não devem calar os protestos##

A chegada da polícia não fez @s ativistas arredarem pé: o cônsul não poderia ignorar aquelas vozes. Corriam notícias de que os policiais destruíram uma das câmeras que filmou a agressão inicial de Galvão. Não surpreende, pois a eles interessa a versão que lhes melhor convém e, certamente, os manifestantes passarão como "vândalos" a destruir parte da sacro-santa
propriedade privada, ali representada pelo prédio 242 da Praia de Botafogo. O oficial Mendes, que se encarregou de negociar, dizia: "Eu cheguei aqui agora, não sei o que aconteceu antes. Vamos apurar". Será mesmo? Será mesmo que o PM agressivo receberá alguma advertência, alguma punição?

Por volta das 14h o oficial Mendes trouxe a proposta do cônsul: no máximo quatro representantes da manifestação subiriam para entregar a carta e conversar. Uma nova assembléia foi convocada, ali mesmo na calçada. Diante da situação, ficou claro que o cônsul não desceria mais. Portanto, quatro representantes foram escolhid@s democraticamente, entre el@s a manifestante que fora agredida pelo policial e trazia as marcas do cassetete nos braços. Perguntas ao cônsul foram esboçadas e câmeras levadas para registrar o encontro. Uma das metas era obter garantias de que a carta seria repassada ao Estado mexicano.

Os que ficaram na calçada esperavam o retorno do grupo. Enquanto isso, policiais à paisana (os famosos P2) tiravam fotos e filmavam manifestantes, alimentando o arquivo de informações para lidar com esses "perigosos elementos" no futuro. Evidenciava-se que também se travava uma batalha por imagens: no caso deles, fazendo as próprias e impedindo que registrassem
seus atos; no caso d@s ativistas, registrando provas de agressões e arbitrariedades.

Por volta das 15h30 descem @s quatro. Como resposta, trazem uma carta-padrão que os consulados/embaixadas do México vêm entregando aos que protestam contra a situação em Oaxaca. A mesma retórica: o governo mexicano está apenas "defendendo" a ordem e a segurança da população de Oaxaca contra um bando de "radicais"; as forças federais estão apenas zelando pelo que diz a Carta Magna. Em contrapartida, @s quatro que subiram trouxeram a assinatura do cônsul e a promessa de que a carta seria entregue ao governo.

Ainda restava o caso do carro, levado por PMs para o depósito em Manguinhos (buscariam alguma compen$ação?). Um dos militantes também foi levado, tentando provar que os documentos estavam regulares. Uma nova mobilização d@s (agora) pouc@s
que permaneciam no local: era preciso contactar um advogado que auxiliasse nessa questão, o que foi conseguido.

No final, fica claro que a entrega da carta não deve esgotar o assunto. Novas manifestações devem ser feitas enquanto a repressão continuar em Oaxaca. O recado "tod@s somos Oaxaca" deve permanecer ecoando enquanto companheir@s estiverem sendo vitimados. É o mínimo que podemos fazer... por enquanto.

Mais informações:

http://www.asambleapopulardeoaxaca.com/
http://www.midiaindependente.org/

Relato com um comentário que conta o "após-ato":

http://www.midiaindependente.org/pt/blue/2006/11/364130.shtml

Fotos do ato no Rio:

http://www.midiaindependente.org/pt/blue/2006/11/364132.shtml
http://www.midiaindependente.org/pt/blue/2006/11/364216.shtml

Fotos de outra luta mais próxima, por moradia:

http://www.midiaindependente.org/pt/blue/2006/11/364283.shtml

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5 Comments:

Anonymous Anônimo said...

Porra, João... Você postou isso no CMI? Bota lá. Socializa, cara. É o relato mais organizado que li até agora.

Abraço.

8:50 PM  
Anonymous Anônimo said...

postei sim, véio.

confira lá...

abs

7:47 AM  
Anonymous Anônimo said...

O relato tá excelente... e o povo de Oaxaca continua lutando!!!

7:42 PM  
Anonymous Anônimo said...

isso aí...

todo apoio a Oaxaca.

valeu!

2:53 AM  
Blogger chenmeinv0 said...

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