quinta-feira, agosto 03, 2006



- olha... olha o louco. zunindo no ar. bradando sem parar. nadando rio acima, contra a corrente. no meio da gente que passa, que olha, que continua, que obedece, que empalidece, mas se emudece, se amortece. olha o louco sorrindo na luta, agindo no sonho. soltando panfleto, colando cartaz, desobedecendo, saindo às ruas, enfrentando o choque, zunindo o molotov, escancarando as mentiras, xerocando o fanzine, injetando vírus de contra-informação...

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- o louco tá rindo de quê? parece querer o que todos dizem não ser possível, parece querer semear sêmens de esperança num esterco de cínicas descrenças, parece querer ser o que quer ser. não vê que a história acabou? que esse papo tá fora de moda? que a onda agora é uma só? que tem que se adaptar aos novos tempos?

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- mas ainda assim eu olho o louco, e me sinto rouco, me sinto pouco, quase nada, a mover-me e olhar para o louco com desprezo. afinal, me dizem todos que é louco. nunca parei pra falar com o louco, nem quero ouvir o louco. não dizem que o que diz é loucura? e por que, afinal de contas, eu iria contra a maré, contra o que dizem lá os que parecem saber mais do que eu?

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- engraçado que chego em casa e me vejo torto, absorto, na normalidade normativamente normalizada... mortalmente mortalizável. e olho pro espelho e não vejo um louco, vejo um cidadão responsável, pagador de impostos, ciente de que faz tudo para que as engrenagens estejam sempre bem lubrificadas. vejo um eminente cidadão, que se indigna, não gosta de ver as mazelas... mas fazer o quê? reclamar que nem um louco?

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- pelo menos vejo no espelho um rosto que se destacou dos miseráveis... venceu a competição pelo lugar ao sol. e sou normal, tenho família, dou meu suor pela empresa, sou temente a deus, dou o dízimo, ligo pro criança esperança... faço minha parte... o mundo vai melhorar assim... sem radicalismos, com civilização, com cultura elevada, com mercados abertos e dinâmicos. todos terão oportunidades iguais... caso se dê mal, meu irmão, se qualifique, se vire, corra atrás, seja mais competitivo. você teve todas as chances...

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- mas vejo que a vida é cada dia pior, cada dia me esgarço mais num não-sei-o-quê sem sentido, pra sobreviver, pra gozar o efêmero prazer de um instante vazio. pra perceber que nas minhas veias correm tédio e medo.

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- e de repente me vêm imagens loucas. vejo tudo isso que parece estar errado. e o cheiro de pobre que agora chega bem perto. a pobreza que escala o morro no fundo do prédio. do meu prédio! e o cheiro de sangue e pólvora. e o que eu tenho com isso? o que eu faço por isso? por que deixaram essa gente brotar aqui? não pago meus impostos para manter a cidade limpa? que desagrádavel mal estar... e ainda aguentar loucos reclamando. radicais!

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- eu não reclamo... só voto. e espero que os políticos façam alguma coisa, construam mais penitenciárias, mais febens, botem mais caveirões na rua... qualquer coisa pra tirar essa gente daqui. pra calar a boca desse louco que grita, que como uma mosca incômoda me olha nos olhos e diz que eu tenho que gritar também, exigir. pra quê? vai mudar alguma coisa? eu pago impostos! não estou aqui pra reclamar... eles que façam... afinal, ganham bastante pra isso, são profissionais no assunto, são especialistas. não reclamo, voto! os políticos que resolvam... só que demoram demais... já podiam ter tirado essa gente miserável daqui... e também esse louco que ri... do que ri?

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- será que ri de mim?

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4 Comments:

Blogger Carrie, a Estranha said...

E pra quem não consegue ser nem o louco e nem o conformado? O que fazer? O que fazer quando nao se acredita nem nos impostos, nem nas revoluções, nem nos políticos, nem no voto, nem no louco? Apenas um gosto amargo na boca, uma ressaca constante, um desejo de simplesmente ter outra vida bem longe daquilo tudo...e que se foda tudo...só não aguento mais sofrer e lutar pelos outros.

10:26 AM  
Anonymous Anônimo said...

Se você não acredita nas revoluções, faça a sua própria.

Já é um excelente começo. :)

obs: o texto está excelente... panfletário poético eu diria...

10:54 AM  
Anonymous Anônimo said...

carrie...

faço minhas as palavras de herr durden... faça sua própria revolução!

("i'm gonna start a revolution from my bed"...)

abs/bjs

1:15 PM  
Blogger oakleyses said...

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5:45 PM  

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