quinta-feira, maio 10, 2007




[[[então... nenhuma idéia na cabeça. câmera eu nunca tive mesmo... pois bem... sem ter nada de novo pra escrever aqui, trago (bons) textos dos outros]]

há um tempo ganhei esse livro de um grande brother.

sete poetas. casa dos trinta. forte marca geracional.

território: juiz de fora (e todos vieram de fora).

nos "vãos e desvãos da urbe", segundo prefácio de Edimilson de Almeida Pereira, mostram que a poesia mantém-se como aquela saudável forma de filosofar/surpreender/emocionar em poucas linhas.

intimistas, undergrounds, cínicos, críticos, multifacetados... poemas/poetas.

longe das torres de marfim, desvencilhados das auras.

pelo contrário, atolados na bosta do cotidiano... mas fazendo brotar flores -- aquém do bem e do mal, dispostas a crescer no confronto/encontro de opostos que se completam.

daí que o íntimo é trespassado por flechas do que pode ser chamado de "universal".

seguindo as pistas do prefácio, um livro de "discursos autofágicos", "diluição das coisas", "derrocada das convivências sociais".

abaixo uma seleta de coisas que gostei (obviamente foi perdido algo da configuração gráfica original do livro).

recomendo a leitura.

referência:
NOGUEIRA, Elza de Sá; MATHIAS, Érika Kelmer (orgs.). Livro de sete faces. sete poetas em diálogo. São Paulo: Nankin; Juiz de Fora: Funalfa, 2006.

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poemas de

CAMILA DO VALLE FERNANDES:

1)

...no vão livre que se constrói enquanto penso tudo isso,
a minha mão continua a escorrer qual água benta
no dorso do meu marido
a minha mão-fonte: que nunca seque!
ou tinta, ou lágrima: eis minha sentença.
e eis minha oração no cárcere:
"dá-me um pouco de texto que escapo,
dá-me uma só palavra e não estarei a salvo."


2)

mulher em processo

as palavras secas, duras, masculinas
as palavras perigosas e pontiagudas entre gritos e sussurros
as palavras penetrantes:
autonomia, repertório, simultaneidade, dessublimador,
associação imagética, corte epistemológico,
marcador diferencial, narrador heterodiegético e
a expressividade em processo.
É que uma mulher não fala assim.
Fala em independência, vocabulário e junção.
Ao que parece e por exemplo.
A palavra, se é do homem e está na minha boca,
o meu corpo sabe: só faço isso para me masturbar.


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ELZA DE SÁ NOGUEIRA:


1)

A Queda

Um homem segue seu caminho. Sem atalhos, sem bifurcações.
Poucos conseguem. Calçadão, madrugada, o velho ainda
em silêncio, olha as estrelas e divide o chão com os
camelôs. Trocam palavras achadas na noite. Sua música abrirá
a manhã. O homem segue o caminho. Olha os homens.
Apenas segue. Entra no edifício Associação Civil Clube de
Juiz de Fora. Seu destino, sobe. O dia nasce. O velho toca o
acordeon. Os amigos dormem. Muitos homens passam,
nada vêem, nada ouvem. O homem cai do décimo quinto
andar.


2)

Vau do Mundo

Vau do mundo é uma grande merda.
Me perdoe João Guimarães Rosa.

Devia ter bom humor. Ou mau.

Devemos saber interpretar os maus?
-- peles de lobo, quem sabe?

Pediu que fizesse voz de mau?
Pediu.

O mundo é mesmo uma grande merda!

E não há Rosa que dê jeito.

Paciência...


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ÉRIKA KELMER MATHIAS:


1)

Manhã qualquer

De manhã tentei catar caquinhos de afeto
Me cortei


2)

To fall in love

A queda é silenciosa
Um risco no ar
Sussurros no dentro

O impacto é afiado
Um se espicaçar
Na dura realidade


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ANDERSON PIRES:


1)

the stooges!

preciso de algo mais forte urgentemente, porque não
agüento mais ouvir nossos intelectuais, não agüento mais
hollywood e cahier du cinéma, deleuze, foucault e derrida.

algo forte, please, porque a realidade é um substantivo
concreto, os bons filósofos se matam para serem dissecados
em salas de aula, porque falar é enganar.

algo mais forte, tipo vodka, cocaína ou ácido, ou os
três, porque todo mundo exige bom gosto para viver, arte
moderna na sala de visitas, clássicos universais na estante,
elevadores com detectores virais, hospitais públicos sem pobres
na fila, um mundo limpo, sem pornografia barata na tv ou
música ruim nas rádios. para quê? para continuar perpetuando
uma moral policialesca e sexualmente reprimida.

por que, numa guerra, os intelectuais são os primeiros a fugir?

a bomba é atômica.

algo mais forte, agora! porque será mais um dia de
intolerância e preconceito disfarçados em cordialidade e
direitos civis.


2)

angra dos reis

meu tio era um nacionalista, achava o rock'n'roll alienante,
que hollywood embestalhava o mundo, apesar de gostar dos
filmes de sam peckinpah, uma nação de pervertidos, dizia
que os irmãos warner arruinariam a música brasileira, mas
como era fã de vinícius & toquinho, soltava um troquinho
para philips records, era um cara legal, especialmente nas
tardes de sábado, quando bebíamos cerveja.


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RODRIGO TOLEDO FRANÇA:

1)

Hoje morri
Heidegger.
Terminei
de ler
sua biografia.


2)

Escorreguei
na história,
encontrei
a razão
e perdi
o poema.

Filosofia...


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ANDRÉ MONTEIRO:

1)

estou sentado em meu trono de merda
e dele sou o meu maior senhor
aponto migalhas para as luzes distantes da cidade
e quem quiser que atire a última pedra
(deve haver alguma que possa ser a última)
eu não me importo
sentado em meu trono de merda
já não preciso morrer de alívio


2)

a nossa casa
incendiada com cuidado num dia de domingo com sol
sol pode ser exagero domingo também
o cheiro dela eu juro que carrego comigo para fora daqui
é preciso e não
babar nas doses de paralisia ornamental:
as mesmas nossas teclas
amplamente divulgadas e incompreendidas
nosso ritmo
aquele pedido pra deixar tudo por amor...
mas tudo continua intacto para o fogo
não podemos pensar em agradecer a nada
nenhuma gentileza
nenhum pedido de perdão
não é a morte nem é poesia para a família
é simplesmente o fósforo que não deseja o risco


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NILSON ASSUNÇÃO ALVARENGA:


1)

à guisa de comentário sobre uma geração
que viu godard no vhs
e reúne silêncios em coletâneas de poemas e prosas,
que já não sabe ter esperanças,
mas ainda não aprendeu a preencher planilhas de custos


2)

vestido de preto, gostava de when the leaves breaks e sabbath
blood sabbath e under my thumb e heroine e wonderful
tonight e cerveja e baseado e tocava violão e essas coisas que
ninam as esperanças dos desajustados, carregava o cabelo
nos ombros e os risos nas costas.
quando pensaram por ele e decidiu se ajustar, comprou
sapatos e camisas pólo coloridas e escreveu cadernos e teses e
freqüentou congressos e comeu bolachas no coffe-break.
quando pensou em chorar não funcionou, quando quis se
demitir não pôde, quando waters veio ao brasil não teve
tempo, comprou um box do buñuel, mas ainda não viu.
acaba de tocar um balaço no ouvido.

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porra! errei.


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