Uma mentira de 45 anos
Goebbels, ministro da propaganda da Alemanha hitlerista, deixou para a história uma frase lapidar que dizia algo como: “Uma mentira contada muitas vezes torna-se verdade”. Quem sabe inspirados por esse lema nazista, os militares do Brasil celebraram, no último dia 31 de março, no Clube Militar do Rio de Janeiro, o aniversário de sua intitulada “Revolução Democrática de 1964”. Uma mentira de 45 anos que contraria os mais balizados estudos historiográficos, além de desrespeitar a memória de torturados, mortos e desaparecidos de um dos períodos mais vergonhosos de nossa história recente.
Não houve nenhuma revolução, muito menos democracia. A verdade, ainda que óbvia para muitos, deve ser insistentemente reiterada para que não seja soterrada por essa versão vomitada pelas viúvas do totalitarismo. A tal “revolução” não passou de um golpe, uma quartelada, fruto de uma aliança entre frações de classes. Um golpe civil-militar, como bem sublinhou René Armand Dreifuss (em "1964: A Conquista do Estado", lançado pela Editora Vozes), que reuniu setores mais reacionários das forças armadas com civis interessados em deter as reformas do período João Goulart (1961-1964) e a virtual ameaça de participação política das esquerdas. Tratava-se de grupos apoiados no capital estrangeiro, muito mais preocupados em manter as coisas como sempre foram do que transformar a situação do país.
Os teóricos militares devem ocupar muito seu tempo lendo manuais de guerra e tortura, pois propositadamente ignoram o sentido essencial de um dos conceitos mais importantes da sociologia: revolução significa transformação profunda na estrutura social. (Verdade que não é tão simples, visto que esse significado não é consensual nas Ciências Sociais. Mas o objetivo aqui não é mergulhar nesta discussão, o que tomaria tempo e espaço).
Mesmo em tempos de acentuado relativismo – onde falar de “verdade” pode soar “démodé”, além de atrair a ira dos intelectuaizinhos “cult” do cenário pós-moderno – é difícil não perceber concretamente o óbvio: o golpe de 64 não alterou profundamente a realidade de um país com brutais desigualdades econômicas e sociais. Assim, falar de “Revolução de 1964” é imoral, patético e descolado de qualquer análise mais séria do contexto da época.
Quando acrescentam o adjetivo “democrática”, então, os saudosistas da ditadura tornam-se bobos da corte perfeitos. Escavando a etimologia da palavra, não resta dúvida: “demo” é povo; “cracia” é governo. Seguindo essa lógica, desde quando podemos considerar os 21 anos de (des)governo civil-militar como democráticos? Cassação de parlamentares, fechamentos de Congresso, eleições indiretas, censura à liberdade de expressão, desrespeito aos direitos humanos: isso é “governo do povo”? O povo estava sendo satisfatoriamente representado naquele simulacro de democracia? Se a “democracia” que temos hoje já é imperfeita e farsante em muito de seus aspectos, o que dizer dessa “democracia” verde-oliva inaugurada pela tal “revolução”?
Um castelo de mentiras que precisa ser constantemente bombardeado, como fizeram os estudantes que protestaram na calçada em frente do Clube Militar, no dia 31/3. Uma manifestação que deixou irado o vice-almirante Sergio Tasso Vasquez de Aquino, que os chamou de “jovens desocupados” em artigo publicado no site do Clube Militar, ressaltando seus “direitos constitucionais de associação e reunião pacíficas”. Perfeito, vice-almirante: a Constituição lhe garante isso. Mas também nos garante o direito de rechaçar publicamente essa celebração, quantas vezes forem necessárias.
Quem resumiu bem a imoralidade da comemoração foi o estudante Luiz Alves, em entrevista ao JB: “Esse evento é como comemorar o Holocausto, são as páginas negras da história brasileira”. E, afinal, até a data é mentirosa, pois o golpe foi no dia 1º de abril, não no dia 31 de março, como insistem os militares, tentado se desvencilhar do dia que melhor combina com suas historinhas falaciosas.
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Foto: reprodução do filme "Terra em Transe".
Marcadores: história
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