O rolo compressor do “progresso”
(Já que fiquei tanto tempo sem escrever aqui, lá vai um textão).
Mais um megaempreendimento portuário ronda a já devastada área da Baía de Sepetiba, no Rio de Janeiro. A empresa de logística portuária LLX (parte do grupo EBX, do milionário Eike Batista) planeja construir um porto privado (chamado Porto Sudeste) para escoamento de minério de ferro, na Ilha da Madeira (foto), município de Itaguaí. O projeto vem sendo apresentado à comunidade local em reuniões prévias, antes da realização da audiência pública. O objetivo, segundo os representantes da LLX, é garantir a “transparência e respeito às partes envolvidas”.
O “respeito ao meio ambiente” foi o mote da reunião pública realizada em Itaguaí, no dia 7 de janeiro. Ela serviu para apresentar aos interessados (uns 60 gatos pingados que compareceram, pois a divulgação foi pífia) um resumo do estudo de impacto ambiental encomendado pela empresa. A Ecology Brasil, que realizou o estudo, identificou 42 impactos (25 na fase de obras e 17 na de operações), incluindo positivos e negativos. Entre os negativos, estão a retirada da vegetação nativa, a geração de resíduos e a interferência na atividade pesqueira.
Para cada problema, uma sugestão bonita e “politicamente correta”, seguindo os critérios de “responsabilidade social” alardeados por essa e tantas outras empresas. Se os pescadores vão perder seu meio de sustento, já que não poderão pescar no trecho destinado aos grandes navios, a LLX apresenta “soluções alternativas para o acréscimo de renda” (sem dar detalhes sobre como fará isso). Se a população local terá de deixar suas casas, desfazer laços familiares e de amizade, a empresa do ricaço Eike oferece “programas de indenização e realocação da população da Ilha da Madeira”. Se parte da cobertura vegetal e uma área rica em manguezais serão devastadas, também há um plano de “compensação pela supressão da cobertura vegetal e de manguezais”.
Vozes discordantes
A reunião deixou de ser um insosso desfilar de slides quando o público foi chamado ao debate. Moradores da ilha, pescadores e pesquisadores levantaram possíveis problemas com a construção e a operação do Porto Sudeste. Pediram a palavra pessoas que compartilham a experiência de conviver com o saldo das atividades industriais e portuárias que castigam a região há décadas.
Membros da Comissão de Revitalização de Sepetiba trouxeram o exemplo de seu bairro para alertar sobre o que vem acontecendo no entorno da Baía de Sepetiba. “O turismo é a vocação natural da região, mas a estão transformando em um polo industrial”, disse Magali Jordão. Outro a opinar foi Sérgio da Silva, também de Sepetiba: “Nos anos 90 a Docas e a CSA falaram a mesma coisa sobre o cuidado com o meio ambiente. Mas, na prática, acabaram com nossa praia”. Quem conhece o local, sabe do que ele está falando.
Já Leonardo Flach, biólogo do projeto Boto Cinza, afirma que não há mais espaço para um porto na área. “A Baía de Sepetiba chegou ao limite para o recebimento de portos. Na região ocorre grande concentração de golfinhos e esse empreendimento, se passar, vai representar uma agressão gigantesca ao ecossistema. Eles pensam só nos fatores econômicos”, disse.
Histórico de agressões
A Ilha da Madeira, assim como a praia de Coroa Grande, eram paraísos naturais há bem pouco tempo – coisa de 30, 40 anos atrás. Água limpa, cachoeiras e fauna e flora originais da mata atlântica ajudavam a compor um cenário de tranquilidade e deleite. A lógica desenvolvimentista do regime militar (fissurado na tal “segurança nacional”) fez nascer a Nuclep (Nuclebrás Equipamentos Pesados), fabricante de equipamentos para as usinas nucleares de Angra.
Mais o maior desastre na Ilha da Madeira foi causado pela presença da Companhia Mercantil e Industrial Ingá, produtora de zinco e sulfato de zinco, que faliu e deixou de “presente” um lago poluído por rejeitos de metais pesados que ameaça transbordar em dias de chuva intensa. Isso sem falar de uma pedreira que se instalou na região, causando uma série de problemas respiratórios na população em seu entorno.
A provável instalação do Porto Sudeste vai ser mais um elefante industrial a descaracterizar um lugar que poderia ser recuperado, desde que se modificasse a orientação de seu desenvolvimento, apostando no turismo e na preservação. Mas não é isso que os poderosos da cidade querem.
Quem vive em Itaguaí se acostumou a ver políticos e empresários levantarem a bandeira do desenvolvimento e da modernização sempre de uma forma suja. Em outros tempos, fez-se campanha para a vinda de um polo petroquímico. Agora, a cidade sofre com a falta de estrutura para abrigar uma população flutuante que cresce devido às atividades da Siderúrgica Thyssenkrupp CSA, que vem sendo construída numa zona industrial próxima.
A vocação rural do município, que poderia ser aproveitada em atividades turísticas (eco-turismo, turismo rural...), sempre fica em segundo plano para que se abram as pernas para atividades econômicas potencialmente prejudiciais. Para justificá-las, a mesma lenga-lenga: “geração de empregos”, “modernização”, “desenvolvimento”. Com uma fraca mobilização da sociedade civil local, é fácil fazer passar os projetos em um cenário político de corrupção e compadrio. Hoje, a violência e a miséria crescem; o trânsito está um caos; mendigos ocupam as praças. A tranquilidade de antes vai ficando restrita aos retratos amarelados.
Fragilidade
Ainda assim há vozes contrárias, embora sejam muito frágeis diante do lobby das indústrias. De qualquer forma, a intervenção do público na apresentação da LLX pôs em questão parte do estudo de impacto apresentado pela Ecology Brasil, empresa de consultoria que classificou o empreendimento como “viável do ponto de vista sócio-ambiental”.
Moradores da Ilha da Madeira manifestaram temor diante do futuro da região, caso o empreendimento se concretize. Joanita Carvalho, que mora há 23 anos no bairro, disse que fez um abaixo assinado que apontou: 95% da população local são contra a remoção proposta pela LLX. Já as irmãs Eliane e Elisângela Almeida, nascidas e criadas na região, afirmaram que sofrem há anos com a pedreira que havia no local e temem novos problemas. “Antes a gente inalava o pó da poeira da pedreira. Agora, teremos de inalar o pó do minério de ferro?”, indaga Elisângela.
Como resposta, Ricardo Nehrer, gerente de meio ambiente da LLX, falou que o Porto Sudeste vai trazer vantagens ao país, para “ter força na competição internacional”. O problema é que o minério de ferro (vendido a preço de banana) vai acabar um dia e o porto ficará como um monumento da irracionalidade do sistema. A vida marinha, os mangues, os habitantes locais, as tradições vão ser enterrados... pois o progresso não pode parar.
Preocupados com a legislação ambiental, os leões do capitalismo até procuram disfarçar o indisfarçável. Por trás de tanta “preocupação”, subsiste a implacável lógica do lucro, do modelo de desenvolvimento que vem esgotando a natureza num ritmo crescente, desde o primeiro engatinhar da Revolução Industrial.
Na prática, o rolo compressor mantém um ritmo que não admite muitas interferências. Uma medidazinha aqui, uma maquiagem ali e muita hipocrisia. Grandes poluidores dão uma graninha para projetos de reflorestamento, mas não admitem puxar o freio da produção. Os noticiários da grande mídia falam da péssima qualidade do ar e do imenso tráfego de veículos, mas todos querem ter ou trocar de carro. Montanhas de lixo se acumulam nas cidades, mas poucos se questionam sobre a irracionalidade de um consumismo que descarta o que se torna rapidamente obsoleto.
Muita hipocrisia.
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Marcadores: meio ambiente
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