quinta-feira, março 22, 2007


Palhaços insurgentes desfilam sobre Vargas

Um relato sobre a manifestação pelo passe livre no Rio


I.

"Um grama de ação vale mais do que uma tonelada de teoria".
(Friedrich Engels)


II.

Quarta-feira, 21/3, Central do Brasil, centro do Rio de Janeiro, quatro horas da tarde. Já é grande o movimento de pessoas indo e vindo na sua diária vida de gado. Carros, sinais, ônibus, fumaça, barulho... rotina. O movimento faz parte da cidade, seu tecido é mutante. Ir e vir, mais do que direito, se torna questão de sobrevivência para muitos. A cidade não pára... "o de cima sobe, o de baixo desce".... assim tem sido há muito tempo.

Perto do terminal rodoviário, uma concentração de pessoas chama a atenção. São integrantes e apoiadores do Coletivo Pró Movimento Passe Livre RJ (MPL/RJ), que iniciavam seu primeiro ato na cidade. O coletivo nasce como reação direta à situação aviltante em que se encontram trabalhadores, desempregados, estudantes e idosos no que se refere ao transporte público em todo o país: eles são reféns de uma máfia de empresários que tratam um direito do cidadão como um negócio superlucrativo.

No Rio, as concessões do governo permitem que apenas alguns capitalistas monopolizem o transporte de passageiros, deixando a seu critério a forma como oferecem o serviço e quanto querem receber por isso. Na "brincadeira" de aumentar a tarifa a conta-gotas, em cinco anos a passagem dobrou de preço. Será preciso responder se ocorreu o mesmo com os salários?

Perto das 17h, chega a tropa de Palhaços Insurgentes, reforçando o tom lúdico que as manifestações pelo passe livre (e, além disso, contra os aumentos, pela desmercantilização dos transportes...) vêm tomando pelo Brasil. Munidos de megafones, tambores e cartazes, o grupo organiza uma grande roda e começa a cantar uma espécie de funk do Passe Livre. Chamada a atenção da população, os outros começam o trabalho de distribuição de panfletos (reproduzo um deles logo abaixo).

A resposta da população é imediata e favorável: podiam-se contar nos dedos os que se recusavam a levar o panfleto. Dedos polegares em sinal positivo, uma paradinha para ver a "bagunça" dos palhaços, frases de apoio... Mais do que qualquer fria estatística sociológica, o termômetro das ruas demonstra o óbvio: quem tem de recorrer ao péssimo serviço das empresas de ônibus não agüenta mais tanto desrespeito.



E é dessa salutar falta de paciência que vêm brotando, por várias cidades, os diversos movimentos pelo passe livre que trazem em comum alguns princípios como a autonomia (não depender de partidos e outras organizações), independência (que garante a liberdade de ação dos coletivos locais), apartidarismo (para fugir do velho oportunismo eleitoreiro que todo mundo já conhece), federalismo (unindo os coletivos locais num âmbito nacional, mas sem centralismo) e horizontalidade (todos possuindo o mesmo direito à voz, sem privilégio a líderes iluminados). As manifestações pelo país parecem estar carregadas desses princípios, reforçando a lógica da desobediência civil e da ação direta... que tanto apavoram as classes dirigentes.

Foi nesse clima que o bloco fez seu desfile pela Av. Presidente Vargas, inicialmente pela calçada, no sentido Cidade Nova. "Meia volta, volver!" e a tropa (ou seria melhor "trupe"?) de cerca de 80 pessoas atravessou o sinal e tomou a pista no sentido Candelária.

Quando o grupo tentava fechar a pista, um "bravo" motorista forçou a passagem. Vaias e ponta-pés no seu bibelô querido: o carro. O machão saiu do veículo com arma em punho, causando tensão mas não conseguindo estragar o carnaval que se seguiu. Entrou no carro e saiu acelerando. Como diria o filósofo Bezerra da Silva: "Você com um revólver na mão é um bicho feroz...".




O protesto seguiu ludicamente: batuques, melodias e desfile de faixas. Uma bola surgiu, o que propiciou um grande futebol coletivo no meio de uma das avenidas mais movimentadas da cidade. O mais surpreendente é que o grau de espontaneísmo foi elevado, mas, a despeito disso, a coisa fluiu de modo orgânico.




Até que, como já era de se esperar, chegaram os "puliças". Começou com um primeiro veículo e aquele papo de que a manifestação tinha de ocorrer na calçada, seguindo as "regras" do jogo (deles!)... Afinal, não se poderia atrapalhar o fluxo dos veículos automotores, esses verdadeiros donos da cidade que tornam nosso ar tão puro e nossas vidas tão agradáveis. Porém, a rua foi o picadeiro dos palhaços por longos minutos.

Em seguida, sem sorriso no rosto, veio o reforço da PM, que tratou de cercar o cortejo fazendo uma barreira num dos sinais da avenida. Um helicóptero também sobrevoou o local por algum tempo. Não há como ter certeza mas, se foi por causa do ato, os palhaços estão realmente se tornando elementos perigosos para o Estado. Autoridades até podem estar se indaganado: "Hoje tem marmelada?".





Como já diziam os provos (retomando Huizinga): jogo bom é jogo rápido. Era momento de recolher a lona. Por volta das 18h, em pleno "rush", os manifestantes atravessaram a pista e liberaram a via. De volta ao ponto inicial, uma assembléia pôs fecho ao ato, com leitura coletiva do panfleto e direito a voz a quem quisesse se manifestar. No ar, o anúncio de um novo encontro: 28/3, quarta, 13h, na Candelária.





III.

Aos pragmáticos, niilistas, acomodados e similares de plantão pode ter sido muito pouco... muita energia por nada. Mas o acompanhamento atento das movimentações pró passe livre pelo país nos traz exemplos de vitórias, ainda que parciais.

Em Florianópolis, o MPL local conseguiu pressionar a câmara para que o projeto do passe livre fosse aprovado. O que foi conseguido. Até hoje, alguns membros do coletivo são perseguidos pelos tentáculos do poder, com as tradicionais ações judiciais visando à criminalização de mais um movimento social. Mas quem disse que o jogo está ganho?

Forço bastante meus baleados neurônios pra recuperar um exemplo, um exemplozinho sequer na história dos povos que me indique que as conquistas, que os direitos, ainda que mínimos, foram obtidos sem a pressão das ruas, apenas dentro de gabinetes refrigerados, ou apenas lendo o jornal e se indignando na poltrona.

O que vejo sair de gabinetes refrigerados são movimentações como a dos deputados buscando aumentar seus rendimentos. E é o que vem ocorrendo, passada a indignação da opinião pública diante da tentativa de aumentar em 91% os salários, no ano passado. Agora, buscam uma elevação de itens como verbas de gabinete e cotas postais para incorporar aumentos sem chamar a atenção. No total, o custo de um deputado do Rio passou de R$ 94,2 mil para R$ 112,2 mil. (Conferir: "Na surdina, deputado já ganha mais". Jornal do Brasil, 21/3/07, página A5).

Movimentos sociais urbanos no Rio de Janeiro ainda são, infelizmente, esportes de poucos praticantes. Torço pra que esse Coletivo Pró MPL agite muito mais, aglutine muito mais gente, ao ponto que a pressão seja isuportável aos poderosos de sempre.

O problema é a letargia reinante e o derrotismo crônico. Difíceis de lidar...

Afinal, o jogo é constante e esse está só no começo.


IV.

"Caso seja necessário lembrá-lo, só muito excepcionalmente é que o fracasso é total. Na maioria dos casos estes movimentos conduzem à instituição formal de certos direitos, liberdades e garantias sob as quais ainda hoje vivemos. Em outros casos, sem nada instaurar no sentido formal, deixam marcas profundas na mentalidade e na vida efetiva das sociedades – tal foi, sem dúvida, o caso da Comuna de Paris de 1871, tal foi seguramente [...] o caso dos movimentos dos anos 60."

[CASTORIADIS, Cornelius. “Os Movimentos dos Anos 60”. IN: Sobre o Conteúdo do Socialismo/Os Movimentos dos Anos 60. Rio de Janeiro: Achiamé, s/d, p.81]


V.

Fotos (CMI):

http://www.midiaindependente.org/pt/blue/2007/03/376472.shtml


Mais info:

http://pt.wikipedia.org/wiki/Movimento_Passe_Livre

http://www.vidasemcatracas.blogspot.com/

http://mplfloripa.blogspot.com/

http://www.passelivreceara.cjb.net/

http://www.mpl.org.br/


Vídeo bem explicativo:

http://www.youtube.com/watch?v=BTrdaGNGiAQ


A grande mídia registrando o ato no Rio (como era de se esperar, a ênfase recai no trânsito... e viva o carro!):

http://jbonline.terra.com.br/extra/2007/03/21/e210324687.html


Mais um exemplo de abuso:

http://jbonline.terra.com.br/extra/2007/03/21/e210324712.html


VI.

Panfleto chamando para o próximo ato:

Transporte é um direito, não mercadoria!!!


Aumentaram novamente o preço da passagem de ônibus aproveitando os festejos de final de ano. Os empresários do transporte vão aumentando de 10 em 10 centavos para que o povo não perceba, mas em 5 anos a passagem simplesmente dobrou de preço.


No centro do Rio e em áreas mais próximas a passagem já está a 2 reais, e em outros lugares mais distantes está mais cara ainda, chegando a mais de R$ 3,60, mas com piores condições e com frotas escassas.


Como se não bastasse o povo passando sufoco para se locomover pela cidade e os desempregados não conseguirem se locomover nem mesmo para procurar emprego, o pouco que tínhamos está sendo cassado. O Passe Livre para estudantes de escola pública, idosos e deficinetes já não é mais lei e está para acabar.


Podemos perceber claramente que o transporte público é tratado como uma mercadoria, um negócio super lucrativo, beneficiando uma pequena minoria que ganha rios de dinheiro. Além disso, sabe-se que a concessão do governo permite que apenas três famílias monopolizem a máfia das grandes empresas de transporte do Rio de Janeiro.


Os políticos, os empresários e os ricos que lucram com esse aumento não andam de ônibus. Não têm de acordar cedo e se deslocar de bairros distantes para trabalhar ou se transportar. Não pegam ônibus lotado, não pagando os preços enormes taxados. Eles negam o direito de ir e vir da população que não consegue nem se deslocar para estudar, trabalhar e ter lazer.



Vamos nos unir, nos mobilizar e exigir a imediata diminuição das passagens e um verdadeiro passe livre que atenda a população!


Por um transporte público de verdade, que sirva ao povo e não aos grandes empresários. Com um passe livre de fato: para desempregados, estudantes, deficientes e idosos!


Vamos para as ruas exigir o que é nosso, por nós mesmos!



POR UMA VIDA SEM CATRACAS!!!


Pró Movimento Passe Livre RJ



ATO dia 28/03, quarta-feira, às 13h na Candelária

###

Marcadores:

terça-feira, março 13, 2007



"cada qual com seu james brown
salve o samba, hip-hop, reggae ou carnaval
cada qual com seu jorge ben
salve o jazz, baião, e os toques da macumba
também"

salve chico,

"Viva Zapata!
Viva Sandino!
Viva Zumbi!
Antônio conselheiro!
Todos os panteras negras
Lampião sua imagem e semelhança
Eu tenho certeza eles também cantaram um dia."

"(Olinda, 13 de março de 1966 - Recife, 2 de fevereiro de 1997)"

[sampleando O Rappa ("Brixton, bronx ou baixada"), Chico Science ("Monólogo ao Pé do Ouvido") e Wikipédia]

###

Marcadores:

sábado, março 10, 2007




Temos de construir um mundo em que palavras como trepar, boceta, camisinha e puta que pariu se tornarão palavras de uso comum, ao passo que termos como guerra, violência, exército, apartheid, discriminação, disparidade social, bolsa de valores e religião serão consideradas as palavras mais sujas que a humanidade conhece.

(Van Duijn)

###

Marcadores: ,

domingo, março 04, 2007



Novos moradores da seção favoritos:

Central Punkrock.

Blog que compartilha discos e outros materiais relacionados ao punk.

Registros de uma história que vem completando duas, três décadas...

Mas também há produções recentes.

Muito legal.

###



O Inimigo do Rei.

Blog que conta um pouco da história dessa experiência de imprensa alternativa publicada entre 1977 e 1988.

###

Marcadores: ,